O problema é que a proximidade pessoal de Ramagem com a família Bolsonaro levaria o STF a barrar a nomeação dele, mas a mudança do comando da PF no Rio acabou acontecendo mesmo assim.
Até agora não ficou claro por que Bolsonaro fez as mudanças, que são prerrogativas de um presidente da República.
Em abril, Bolsonaro fez o pronunciamento contra Moro acompanhado de seus ministros
Foto: Getty Images / BBC News BrasilVale lembrar que o Rio de Janeiro é o berço eleitoral da família Bolsonaro e o suplente de Flávio Bolsonaro no Senado, Paulo Marinho, afirmou à PF que um delegado da instituição avisou os Bolsonaro sobre a investigação de um suposto esquema de corrupção no gabinete de Flávio.
O agente também teria dito que a operação seria adiada para evitar danos à candidatura de Bolsonaro em 2018.
Essa mesma operação daria depois origem às acusações formais contra Flávio Bolsonaro por lavagem de dinheiro e desvio de dinheiro público. O filho do presidente nega ter cometido qualquer crime.
2. Que relatórios de inteligência afinal o presidente Jair Bolsonaro desejava obter e que supostamente lhes estariam sendo negados?
Bolsonaro disse que precisava de um relatório diário da PF para "poder bem decidir o futuro dessa nação", mas não está claro que tipo de informações o presidente busca. Para ele, o sistema federal de inteligência é aparelhado e ineficaz.
Segundo reportagens da emissora CNN Brasil e do jornal O Globo, a Abin recebeu desde janeiro de 2019 pelo menos 1.300 relatórios de inteligência de diversos órgãos do governo. Cabe ao órgão repassar as informações ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.
O ritmo de relatórios enviados pela PF à Abin aumentou de 2,5 por mês entre 2016 e 2018 para 4,8 mensais entre 2019 e meados de 2020. Os documentos tratam de crime organizado, extremismo, conflitos, entre outros temas. Não há detalhes sobre o conteúdo de cada um deles.
Em seu depoimento à Polícia Federal, Moro afirmou que que o presidente "relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança (na Polícia Federal), para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência".
Moro disse seguir a praxe de ministros da Justiça sobre investigações da Polícia Federal. Segundo ele, o presidente recebia apenas informações não sigilosas e era notificado sobre operações somente após as deflagrações de buscas e prisões.
Ele cita como exemplo uma ação que envolvia o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, acusado de liderar um esquema de laranjas no então partido do presidente, PSL, durante a eleição de 2018.
'Estaria claro que haveria uma interferência política na Polícia Federal, que gera um abalo à credibilidade minha, mas também do governo. Ia gerar uma desorganização na Polícia Federal'
Foto: Agência Brasil / BBC News BrasilAinda segundo Moro, o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional - GSI) afirmou que esse tipo de relatório que o presidente queria "não tinha como ser fornecido". Questionado pela PF, Heleno não se recorda de ter dito essa frase.
Moro fez acusações semelhantes no dia em que pediu demissão do cargo.
"Não é o papel da PF prestar esse tipo de informação. As investigações têm que ser preservadas. A autonomia da PF é um valor fundamental que temos que preservar. (...) Então quem (entra nessas condições), eu fico na dúvida se vai conseguir dizer não (a pedidos de interferência do presidente)."
Horas depois, Bolsonaro fez um discurso rebatendo alguns pontos da fala de Moro.
Sobre os relatórios de inteligência, Bolsonaro afirmou: "Sempre falei para ele: 'Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas 24 horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação'. Eu nunca pedi para ele o andamento de qualquer processo, até porque a Inteligência com ele perdeu espaço na Justiça. Quase que implorando informações."
Outro ponto que a Polícia Federal pode tentar esclarecer com o Bolsonaro é o que ele chamou de "serviço de informações particular".
Em entrevista à rádio Jovem Pan, ele afirmou que este é formado informalmente por militares e policiais que lhe enviam informações sobre fronteiras, por exemplo, mas não as detalhou.
3. O presidente tentou interferir ou obter informações sobre as investigações do chamado "inquérito das fake news", em tramitação no STF?
Ao longo do inquérito acerca das acusações de interferência na PF, os investigadores perguntaram em depoimentos a autoridades sobre a relação entre o presidente da República e o caso que corre no STF conhecido como "inquérito das fake news", que respingou em bolsonaristas.
As acusações também partiram de Moro.
Segundo o ex-ministro, Bolsonaro lhe enviou uma mensagem em abril de 2020 com um link de uma reportagem do site O Antagonista sobre o inquérito no STF. O título era "PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas".
Em mensagem a Moro, Bolsonaro escreveu que a investigação era "mais um motivo para a troca na PF".
Moro respondeu ao presidente que a instituição Federal cumpria ordens do STF nesse inquérito aberto pelo presidente do tribunal, Dias Toffoli, acerca de ataques a ministros do STF.
Questionado sobre o interesse de Bolsonaro no inquérito, Moro afirmou aos investigadores que caberia ao presidente explicar "os motivos dessa mensagem e o que ele queria dizer".
Ramagem também foi questionado pela PF, especificamente se sua indicação para o comando da instituição estava associado, entre outros pontos, ao repasse de informações sobre o inquérito das fake news.
O chefe da Abin respondeu que "o presidente da República nunca chegou a conversar com ele, sob a forma de intromissão, sobre investigações específicas da Polícia Federal que pudessem, de alguma forma, atingir pessoas a ele ligadas".
Agora ex-ministro da Justiça diz que interferência política pretendida por Bolsonaro atrapalharia funcionamento da Polícia Federal
Foto: Marcelo Camargo /Ag Brasil / BBC News BrasilEnvolto em controvérsias, o chamado inquérito das fake news foi aberto pelo STF em março de 2019 sem participação do Ministério Público e distribuído ao ministro Alexandre de Moraes sem sorteio prévio entre os ministros da Corte.
A investigação não tinha limites nem objetos claros. Mais de um ano depois da abertura dela, o plenário do STF decidiu em junho de 2020 referendar o inquérito em meio à intensificação dos ataques ao Supremo por apoiadores de Bolsonaro.
Moraes também determinou que os delegados da PF responsáveis por dois inquéritos (o das fake news e o que investigava ações antidemocráticas) não poderiam ser substituídos.
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